Uma varanda e um quarto de duas residências simples localizadas nos municípios vizinhos de Vespasiano e São José da Lapa, na região Metropolitana de Belo Horizonte, transformaram-se em salas de audiência onde o juiz auxiliar Gustavo Corte Real, de Vespasiano, realizou entrevistas em processos de interdição de dois idosos com problemas de saúde.  

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Uma idosa de 86 anos, portadora da doença de Alzheimer, e outro idoso, 76, que sofre de demência, não tinham condições físicas e mentais de se dirigirem ao fórum de Vespasiano para serem ouvidos pelo magistrado.

Diante disso, o juiz decidiu ir até a casa dos interditandos para realizar a audiência lá mesmo. Nos dois casos, todo o procedimento durou menos de 10 minutos e serviu de base para a sentença do magistrado favorável aos familiares que pediam a interdição definitiva dos idosos.   

Sentado em uma cadeira ao lado da cama da idosa, o juiz constatou a completa incapacidade da dela de praticar atos da vida civil por conta do Alzheimer em estágio avançado. Na cozinha da residência, ele assinou a ata da audiência. “Vi a Justiça sendo feita dentro da minha casa. É um alívio para toda a família”, comemorou o filho da idosa.

De acordo com a advogada da família da idosa, todo o processo durou apenas três meses, o que é um alento para as partes envolvidas:

“A iniciativa do magistrado de ir ao jurisdicionado é benéfica para todos. Quando o juiz vem até o cidadão que está em condições tão frágeis, acelera o processo e diminui a dor dos familiares. Aqui, nesta residência, presenciamos de fato o princípio da celeridade sendo cumprido.”

Audiência na varanda

Na varanda da residência do idoso, Gustavo Corte Real viu o interditando não saber responder a perguntas simples, como o que havia almoçado naquele dia, quem era o presidente do Brasil e quantos anos tinha. Com base nisso, ali mesmo, o magistrado redigiu à mão a ata da audiência.

“É uma satisfação muito grande receber um juiz na nossa casa e ainda mais para nos dar uma alegria. A vinda dele facilitou a nossa vida, que já é bem sofrida”, afirmou a esposa do idoso.

Relato do juiz

O magistrado Real avaliou positivamente a experiência:

“Saio dessas casas me sentindo acolhido. Em todas as residências que vou sou muito bem tratado. Quando preciso viajar horas para chegar a um local, sou sempre recebido com um cafezinho. Lidamos com milhares de processos e assinamos centenas de documentos, mas é no local onde essas pessoas vivem que sentimos o que é entregar a jurisdição a elas. São pessoas dignas, que pagam seus impostos. Essa é uma forma de retribuirmos o que elas também nos dão em serviço.”

O artigo 751 do novo CPC determina que, não podendo o interditando deslocar-se até o juiz, o magistrado o ouvirá no local onde ele estiver. Nos processos de interdição, a entrevista pessoal é necessária para evitar possíveis fraudes e para o magistrado conhecer de fato aquela pessoa que poderá ter tantos direitos suprimidos.

“A lei determina que o juiz veja o jurisdicionado. O magistrado deve ver a prova, ver a dificuldade em que vive esse cidadão e entender por que é necessária a ação da Justiça. Essas pessoas têm poucos recursos financeiros, dependem do SUS e de laudos médicos que nem sempre vêm completos. O sistema é mais difícil para elas.” 

Inspiração

Gustavo Corte Real realiza audiências na casa do jurisdicionado há cerca de 10 anos, quando ingressou na magistratura. Com as histórias e explicações sobre doenças senis que ouvia de sua esposa, uma médica geriatra, o magistrado passou a entender melhor a importância de não ocasionar mais transtornos a esse tipo de paciente.

Para Gustavo Corte Real, o magistrado deve estar onde o povo está, e os juízes que ingressaram recentemente na carreira devem compreender que eles assumiram um compromisso com o cidadão.

“Esse é o papel do juiz. E não é apenas o papel social do magistrado, é um dever dele, que é servidor público. Estou no meu horário de trabalho, exercendo a minha jurisdição. Vários servidores saem de seus locais de trabalho e visitam o cidadão. Não tem nenhum problema o juiz fazer o mesmo. Há relatos de vários magistrados em Minas e em outros estados fazendo esse tipo de audiência. Há juízes no Amazonas que viajam horas de barco para ir até o cidadão. São exemplos que partem dos próprios colegas e devem ser seguidos.”

Informações: AMAGIS -  Associação dos Magistrados Mineiros