Por José Carlos Ruy - A avaliação feita pelo professor de direito previdenciário da Universidade de São Paulo (USP), Marcus Orione, sobre a reforma da Previdência aprovada na noite de quarta-feira (10) pela Câmara dos Deputados, é drástica e severa: "encontrou-se a fórmula para o suposto déficit da Previdência: basta dar um remédio que mate o paciente".
É com este juízo que ele encerra a coluna de opinião publicada nesta quinta-feira (11) na Folha de S. Paulo, sob o título igualmente eslarecedor da natureza da mudança aprovada, e que afronta direitos do povo até então reconhecidos pela Constituição Federal, agora jogados na lata de lixo. O título do artigo é "Fim da solidariedade e do espírito social na Previdência brasileira". Que revela notável capacidade de síntese para resumir, apresentando de maneira didática e crítica, o crime contra os brasileiros, referendado pela maioria conservadora da Câmara dos Deputados, que a retrógrada reforma da previdência cometeu.
O projeto de reforma da Previdência do governo Jair Bolsonaro significa "o término de um sistema que protege milhões de pessoas", diz ele. "Ainda que com suas insuficiências, a atual Previdência atende com uma proteção social mínima - em especial nas regiões mais pobres - idosos, doentes, desempregados. Enfim, pessoas que contribuem e, diante de contingências como idade avançada e doença, por exemplo, são afastadas do mercado, necessitando da proteção previdenciária."
Segundo Marcus Orione, a "Previdência pública é montada na solidariedade social. Quem está recebendo benefícios hoje depende da contribuição dos que estão trabalhando - que receberão a partir dos recolhimentos futuros."
Entretandto, mesmo modificado em alguns pontos (não inclui, por exemplo, a capitalização, que afastava o Estado da Previdência e passava sua gestão para os bancos) "o projeto continuou a atingir drasticamente a situação de trabalhadores e trabalhadoras diversos, provocando a maior redução de direitos já vista em nossa história.
Dificulta o acesso a benefícios previdenciários e diminui alguns de seus valores. Atinge até mesmo a assistência social - aquela destinada às camadas mais vulneráveis da população". " Os privilégios de alguns foram mantidos, os pobres punidos", resume ele.
E continua: "A reforma prevê condições para a obtenção de benefícios (relacionadas à contribuição e à idade) que serão impossíveis de serem atendidas pelos trabalhadores e trabalhadoras em geral, o que é agravado pela reforma trabalhista, que generalizou o acesso a trabalhos instáveis, dificultando a continuidade da vida contributiva."
Há coerência no ataque conservador aos ireitos dos trabalhadores - a retrógrada reforma da Previdência confirma, e agrava, o ataque já promovido pela contra-reforma trabalhista do usurpador Michel Temer que, ao amplificar de maneira desmedida e generalizada o desemprego e precarizar o trabalho, provoca a redução da arrecadação previdenciária, tornando ainda mais difícil a situação dos trabalhadores.
"Ao lado disso, o governo conseguiu a edição de lei supostamente destinada ao combate de fraudes. No entanto, ali foram inseridas normas que criaram prazos que dificultam o trabalhador da iniciativa privada a obter benefícios ou a permanecer sob a proteção previdenciária. Somada esta lei às novas disposições constitucionais, será, no futuro, praticamente impossível a obtenção ou manutenção de benefícios."
Marcus Orione explica como, embora contribuindo para a Previdência - isto é, pagando pelos benefícios que um dia receberia, os trabalhadores ficam incertos de que as obrigações do governo dserão cumpridas - isto é, falando de forma direta, pagam por um serviço que não será entregue.
Diz Marcus Orione: "Teremos, enfim, um sistema em que as pessoas pagarão contribuições, mas dificilmente elas acessarão os benefícios."
E mais: a mudança agora feita embute a necessidade futura de "outra reforma diminutiva de direitos de quem ainda está recebendo - já que não haverá, para mantê-los, contribuições suficientes, em vista da drástica redução de postos de trabalho formais e da possibilidade, não afastada, de isenções para as empresas de contribuições."
Eis aí o remédio usado para matar o paciente, descrito por Marcus Orione.