Por Sâmia Bomfim - Nesta semana, iniciam-se os trabalhos da Comissão Especial que avalia o mérito da PEC 006/2019, da qual faço parte. A reforma da Previdência proposta por Jair Bolsonaro é uma farsa: baseia-se em falsos pressupostos e, ao contrário do que diz a propaganda governamental, não “combate privilégios”, mas ataca especialmente aqueles que estão na base da pirâmide social.
A justificativa utilizada pelo governo e seus apoiadores é a de que o envelhecimento da população teria gerado uma pressão fiscal crescente e estruturada sobre a Previdência que ameaça de morte as contas públicas. Porém, o balanço das receitas e despesas do INSS urbano não autoriza esta afirmação. O orçamento deste órgão foi superavitário nos anos de crescimento econômico e deficitário nos anos de recessão. Portanto, a causa do chamado “déficit da Previdência” é a redução no número de contribuintes causada menos pela redução da taxa de natalidade e mais pelo crescimento do desemprego e informalidade.
Nesse sentido, a reforma terá o efeito contrário ao pretendido, isto é, ao invés de ajustar as contas da Previdência, irá agravar a causa do seu déficit. Pois, uma vez que propõe dificultar o acesso à aposentadoria e reduzir benefícios, ela retira a renda de possíveis consumidores. Reduzido o consumo, não há estímulo ao investimento que gera empregos e movimenta a economia. Sem geração de empregos, a arrecadação do INSS cai e o déficit aumenta. Assim sendo, se a PEC 006 for aprovada, daqui a alguns anos constataremos novamente que a Previdência é deficitária. O que faremos então? Novos “ajustes”? Para onde esse ciclo interminável de crise/austeridade nos levará? Certamente não será para o lugar de uma “grande nação”.
Outra mentira contada pelo governo é a de que a reforma da Previdência faz justiça ao cassar privilégios de políticos e marajás. O fim da aposentadoria especial para políticos valeria apenas para os eleitos nos próximos pleitos. Até lá, muita água pode rolar fazendo com que a regalia volte a valer. Aliás, se o objetivo fosse combater privilégios, poderiam começar pelo próprio presidente, que recebe aposentadoria especial do Exército desde os 33 anos.
Longe de combater os privilegiados, a reforma da Previdência penaliza os mais pobres. A criação da idade mínima prejudica aqueles que começam a trabalhar desde cedo. Além disso, o aumento do tempo mínimo de contribuição de 15 para 20 anos pode inviabilizar a aposentadoria daqueles trabalhadores que passam longos anos desempregados ou na informalidade. Nesse sentido, as mulheres seriam as maiores prejudicadas. Isso sem falar no conjunto de maldades que incidem sobre os mais vulneráveis socialmente: a criação da contribuição mínima para trabalhadores rurais, a redução drástica do Benefício de Prestação Continuada pago a idosos em situação de miséria, o corte nas pensões por morte e aposentadoria por invalidez, etc.
Se a real intenção do governo fosse resolver o problema fiscal do Brasil e ainda promover justiça social, poderia acatar a proposta de Reforma Tributária Solidária elaborada pela Fenafisco e pela ANFIP que prevê aumentar a taxação sobre os muito ricos do país gerando receitas que superam os 300 bilhões de reais ao ano. Ou poderia rever a política de pagamento da dívida pública, que drena bilhões em recursos públicos todos os anos para remunerar bancos e fundos de investimento. Por que será que com esses privilegiados Bolsonaro é tão pouco austero?
O regime de capitalização proposto pela PEC 06 condensa as duas faces dessa farsa. De um lado, a transição do regime de repartição (atualmente em vigor, em que os trabalhadores ativos contribuem para os inativos) para o de capitalização (em que cada trabalhador faz uma espécie de poupança individual) gera custos ao Estado que podem superar o PIB de um ano todo. De outro, a capitalização gera lucros bilionários para os fundos de pensão mas condena os idosos que não conseguiram poupar à miséria.
Além de tudo, a reforma da Previdência é uma mentira mal contada: o governo recusa-se a apresentar dados, projeções e memórias de cálculo que baseiem a proposta. Para compensar a falta de densidade da proposta, o governo investe milhões em propaganda enganosa (contrariando a retórica e que o Estado está falido). Além disso, trata-se de um cheque em branco para o desmonte completo da Previdência Social assegurada como direito constitucional pois em mais de quarenta itens do projeto há afirmações como “até que seja promulgada lei complementar”. Isto é, trata-se da desconstitucionalização da Previdência, tornando-a mais vulnerável a ataques num futuro próximo que não dependeriam de maioria qualificada no Congresso.
É preciso impedir esse retrocesso civilizatório de nosso país: diga não à reforma da Previdência!