O presidente Jair Bolsonaro vetou integralmente projeto de lei que dispensava de reavaliação pericial a pessoa com HIV/Aids aposentada por invalidez. Apesar da orientação do Ministério da Saúde, que solicitou a aprovação do projeto, o veto foi defendido pelo Ministério da Economia, e está publicado no Diário Oficial da União (DOU).
Em 2016, o programa de “desaposentadoria” do governo Temer, que visa identificar fraudes e aliviar as contas da Previdência acabou atingindo as pessoas que vivem com HIV e precisam do benefício. Muitas delas estão fora do mercado de trabalho há mais de 20 anos e sofreram com os efeitos colaterais em decorrência do tratamento para o vírus, o que as impediu de trabalhar. Nesse sentido, o Projeto de Lei 10.159/2018, do Senado, prevê que pessoas com HIV/aids aposentadas por invalidez podem ser dispensadas da reavaliação feita pelos médicos peritos do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
“Uma covardia. Pessoas aposentadas há mais de 15 anos com HIV/aids serão deixadas à própria sorte em um governo que privilegia os grandes bancos com desonerações fiscais e desaposenta para relegar à miséria pessoas que vivem com uma infecção grave e incurável”, defende Maria Eduarda Aguiar, advogada da Secretaria Nacional de Travestis e presidente do Grupo Pela Vidda – RJ. “São pessoas que além do HIV e comorbidades sofrem o problema da estigmatização da doença, com a carga física de anos de tratamento.”
O que o governo diz
Segundo a justificativa do governo para o veto, ao dispensar a pessoa com HIV/aids da avaliação das condições que levaram à sua aposentadoria, o projeto termina “estabelecendo presunção legal vitalícia de incapacidade, independentemente das circunstâncias peculiares a cada caso e em desconsideração permanente dos avanços da medicina”.
O governo defende ainda que, “nos termos do art. 193 da Constituição da República, a ordem social tem como base o primado do trabalho, assim, a proposta legislativa tem o potencial de estigmatizar e violar a dignidade do segurado com HIV, que seria afastado, por presunção, da possibilidade de reabilitação profissional, decorrente de perícia médica periódica, que tem ainda a relevante função de combate a fraudes no âmbito previdenciário.”
Para o presidente da Comissão de Direito Previdenciário da OAB de São Paulo, José Roberto Sodero, a decisão do presidente Jair Bolsonaro é discriminatória. Sodero, explica que “existe um fundamento jurídico e não econômico que coloca a necessidade de os desiguais serem tratados desigualmente na medida em que vão se desigualando da sociedade.”
“As pessoas não são totalmente iguais e é neste ponto que o governo deve agir para fornecer suporte. O argumento da decisão é ruim e foge da ideia de proteção das pessoas que estão fragilizadas. No entanto, as decisões estão sendo tomadas de supetão, não há diálogo. Temos um caso de preconceito, não de uma análise técnica”, defende Sodero.
Renato da Mata, ativista da Articulação Nacional de Saúde e Direitos Humanos defende que a decisão não é viável mesmo no ponto de vista econômico. “Tenho recebido casos de pessoas que estão sem medicamento porque não têm dinheiro nem mais para pagar o transporte até o local onde buscam remédios. Além disso, essa pessoa vai adoecer e as consequências vão além. É uma economia burra, porque, com isso, o governo terá gastos com novas infecções, com tratamento dos doentes por aids, com UTI… Os peritos muitas vezes não entendem da patologia, e sequer olham os laudos. Isso precisa mudar”
Decisão pode ser revertida
José Roberto Sodero, explica que o PL volta para o Congresso Nacional e ainda pode ser aprovado caso obtenha maioria no Senado e na Câmara dos Deputados. Dentro de 48h o projeto será encaminhado para a secretaria do Congresso Nacional e tem prazo de 30 dias para que aconteça uma sessão conjunta. Nessa sessão, será decidido se haverá a queda ou apoio ao veto do presidente. Para que o projeto seja aprovado, é necessária a maioria absoluta das duas Casas, ou seja 257 deputados e 47 senadores favoráveis. “Durante esse tempo a sociedade organizada pode cobrar um posicionamento e pressionar os representantes”, completa.
Para Maria Eduarda, essa é a única saída. “Infelizmente sem uma lei que proteja as pessoas vivendo com HIV/aids as ações na justiça tem sido julgadas improcedentes. Muitas pessoas com esse problema tendem a querer deixar de tomar o medicamento por não ter como se alimentar. É uma tragédia social”.