Idade mínima para aposentadoria obriga o trabalhador a continuar no mercado por mais tempo.

As novas regras para aposentadoria, em vigor desde 13 de novembro, exigirão dos brasileiros mais tempo no mercado de trabalho.

Ainda que essa exigência faça sentido para a saúde financeira das contas da Previdência, a realidade de quem tenta seguir trabalhando após os 50 anos não é tão bem resolvida, e conseguir uma vaga no mercado fica mais difícil.

Com uma população vivendo mais, a tendência é que o período produtivo da população também aumente. No entanto, o ainda existente preconceito etário, a adoção de novas tecnologias no trabalho e a necessidade de adaptação contínua a novas formas de seleção para uma vaga de emprego afastam os trabalhadores mais velhos do mercado.

Monica Riffel, presidente da consultoria MaturiLAB, diz que as empresas ainda não estão prontas para olhar os trabalhadores com mais de 50 anos como candidatos potenciais para vagas de emprego.

“Os próprios RHs ainda precisam estudar melhor como vão fazer com que essas pessoas não percam seus empregos ou como abrir possibilidades de trazer trabalhadores maduros [para dentro da empresa]. O que a gente vê hoje é que a questão do etarismo passou a ser um pilar da diversidade, e você vê um preconceito com a idade”, afirma.

O problema é pior para aqueles com baixa escolaridade. Segundo um estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), 10,5% dos homens com idade entre 50 anos e 64 anos não trabalhavam, nem estavam aposentados, por ainda não terem atingido as exigências mínimas do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) para terem direito ao benefício.

Eles são os chamados nem-nem da maturidade e, em 2017, 7 em cada 10 pessoas nessa situação tinham menos de 60 anos.

Para as pesquisadoras do Ipea Ana Amélia Camarano, Daniele Fernandes e Solange Kanso, o preconceito por parte dos empregadores e uma percepção negativa sobre a capacidade de adaptação dos trabalhadores em fase de envelhecimento às mudanças tecnológicas e organizacionais, além de expectativa de gastos maiores com afastamentos e produtividade menor, pesam nessa conta.

Mas o cenário começa a mudar —e vai ser cada vez mais necessário, e não só por causa da reforma da Previdência.

Hoje, cerca de 15% da população brasileira tem mais de 60 anos. As projeções do IBGE indicam que, em 2055, esse percentual terá dobrado. Parece longe, mas é quando os jovens que saíram da faculdade recentemente estarão chegando aos 60 anos.

No terceiro trimestre de 2019, último período com dados completos, havia 8,2 milhões de pessoas com 60 anos ou mais na força de trabalho —aqueles empregados ou que buscam um emprego—, ou 25% dos idosos, segundo o IBGE. Na população em geral, esse percentual era de 50%.

Para a psicóloga Angelina Assis, gerente de relacionamento da Soulan Recursos Humanos, haverá uma adaptação gradual do mercado, que exigirá, da parte das empresas, mais investimento em treinamento, e dos funcionários, mais disposição para aprender e se ajustar a novos processos.

“Estamos numa pirâmide com muito mais pessoas na longevidade do que pessoas nascendo. Então é natural que vá havendo um encaixe e uma aderência dessa mão de obra para o mercado”, afirma.

O total de pessoas mais velhas que trabalham ainda é baixo, mas o mercado dá sinais de que há vagas —ao menos para os mais qualificados.

Na Workana, rede social de intermediação de trabalho freelancer, o tíquete médio dos trabalhadores com mais de 50 anos é superior ao das demais faixas etárias. Em 2019, chegou a US$ 4.000 mensais (pouco mais de R$ 16 mil), afirma o gerente para o Brasil da empresa, Daniel Schwebel, que atribui o valor ao alto nível de especialização.

A maioria dos trabalhos fechados está nas áreas administrativa, tradução e geração de conteúdo, respondendo por 55% desses freelancers. Na área de tecnologia, eles são a minoria, mas já correspondem a 12% em programação, que inclui design multimídia.

Schwebel afirma que o trabalho temporário atende o que os profissionais mais velhos desejam. “O profissional quer continuar trabalhando, mas com mais flexibilidade, menos metas e uma rotina mais livre”, diz.

O mercado freelancer, afirma, depende de o profissional estar disponível a uma outra

lógica de trabalho. “Existe uma adaptação necessária. A pessoa precisa entender que a remuneração é por hora, que ela vai ter que trabalhar em casa. É uma outra realidade.”

E há os que preferem a estabilidade. Segundo a Rais (Relação Anual de Informações Sociais), do Ministério da Economia, o total de trabalhadores com carteira assinada e mais de 64 anos subiu 6,35% de 2017 para 2018. Na faixa dos 50 aos 64 anos, o avanço foi de 1,84%.

A coach de carreira Monica Riffel, da MaturiLAB, diz que passou a receber muitas pessoas na faixa dos 45 anos que tinham sido demitidas. Para ela, o comportamento é resultado de uma “juniorização” do mercado de trabalho, que ainda se reverte muito lentamente.

“O trabalhador maduro tem um comportamento jovem. Não é alguém que vá se aposentar cedo, e não só pela questão da Previdência e da inversão demográfica, mas porque hoje há muito mais recursos para nos mantermos atualizados, produtivos e atuantes”, afirma.

Após uma carreira na área de serviços e operações em multinacionais do setor de informática, Ronaldo Moraes Araki queria se aposentar e seguir trabalhando. Há seis meses, aos 63 anos, assumiu a chefia do setor de tecnologia de uma fintech predominantemente jovem.

O contraste geracional, diz, é positivo, mas, antes de chegar ao cargo, a resistência foi grande. “Sinto que as pessoas gostam de aprender com a experiência, querem saber de sucessos e fracassos. Morei em outros países, trabalhei em grandes empresas. Então, tem esse lado também”, afirma.

Ele conta que, ao se aposentar, há cerca de três anos, quis evitar o périplo de enviar currículos e tentar entrevistas em processos seletivos.

“Tem tanta gente desempregada e o mercado é tão restrito para pessoas de uma idade um

pouco mais elevada que não adianta ficar insistindo nisso. Preferi assumir o controle do meu próprio destino”, diz.

E foi no decorrer desse processo que acabou conhecendo e de aproximando da empresa em que dá expediente hoje.

De certa forma, dizem os especialistas, adaptação e disponibilidade serão palavras-chave para o mercado de trabalho nos próximos anos. Angelina Assis, da Soulan RH, afirma que exercer o mesmo trabalho por toda a vida laboral vai perdendo espaço.

Ela diz que as gerações com 40, 50 anos hoje costumavam ficar no mesmo setor —e frequentemente no mesmo emprego— por toda a vida. “Hoje, a gente tem uma gama de possibilidades e de atividades cada vez maior. Acho que as pessoas vão, intuitivamente, percebendo outros dons e possibilidades no trabalho”, afirma.

“Nossas gerações não estão preparadas para um plano B, mas é hora de se perguntar ‘em que eu sou boa? Tenho boa comunicação? Sei fazer uns quitutes?”, diz a consultora.

Para a empresária Claudia Barchi, 52, se manter na ativa foi tão importante financeiramente quanto emocionalmente. “Você se aposenta porque não tem mais portas abertas. Fica uma sensação de que você não sabe fazer nada, não serve para nada”, afirma.

Com Sandra Godoi, 56, ela criou uma plataforma chamada PAP (Pessoas Ajudando Pessoas), por meio da qual os maduros —aqueles com mais de 50 anos— podem oferecer e contratar serviços.

A companhia para exames médicos ou compras é hoje o serviço mais requisitado, mas a proposta é que a rede funcione em outras direções.

“Um jovem pode contratar uma senhora que seja boa de cozinha para ensinar a fazer uma ceia de Natal ou papinhas de bebê”, explica Sandra.

A idealização do PAP, diz Claudia, vem de uma necessidade pessoal, que era obter ajuda rápida e temporária para atender familiares mais velhos em consultas médicas e passeios, mas não encontrava.

Quando se aposentou, começou a oferecer esse serviço e o batizou de personal senior.

A chegada de Sandra, professora na Faculdade Drummond, fez o negócio ganhar escala e se transformar na plataforma, que já tem cerca de 60 prestadores de serviços cadastrados.

Claudete Freitas Amorim, 67, está aposentada há quase 20 anos e seguiu na ativa, com altos e baixos, até 2014. “Já estava bem difícil e eu ainda trabalhei, mas sem registro. Fiz de tudo. Tentei vender seguro, pacotes de viagens, mas não dava mais”, diz.

Durante os 30 anos de atividade, Claudete foi promotora-executiva no setor turístico e trabalhava visitando agências. O trabalho freelancer, diz, faz sentido nessa fase da vida. Seu primeiro chamado no PAP foi o de acompanhar uma pessoa a um eletrocardiograma.

“Nunca gostei de escritório, de trabalhar fechada. Agora, consigo fazer meu horário, minha rotina e trabalho nos dias em que eu quero”, diz.

Para José Fernando Campoy Torres, 60, aposentado desde os 53, a economia compartilhada foi a solução para interromper o desânimo após ficar três anos sem conseguir continuar no mercado.

“Mandei muito currículo, mas nunca me chamaram. Quando você faz um trabalho, a sensação que fica é a de bem-estar, de se sentir útil.”

Fonte: Folha SP